Por Mariana Valadão - 6º período | Campus Madureira
No início de setembro, Renan
dos Santos Macedo, de 8 anos, foi baleado. Ele estava no carro com o pai Nilton
Siqueira de Macedo quando tentaram fugir de um arrastão em Duque de Caxias.
Depois de alguns dias a criança veio a óbito e seus pais entraram para mais uma
estatística. A dos 47% de familiares que se recusam a doar órgãos depois de
comprovada morte cerebral. No Brasil, a Lei nº10.211, publicada em março de
2001, determina que é a família que autoriza a doação de órgãos e tecido para
transplante.
O assunto é extenso e pouco
falado. A população tem muitas dúvidas e medos. Na hora da dor intensa é
difícil processar tudo que está acontecendo e ainda tomar uma decisão.
- A doação é muito importante.
Deveria haver mais campanhas – afirma a Servidora Estadual, Daniela dos Anjos
Magalhães, 42 anos.
Os pais de Renan afirmaram
saber que muitas pessoas precisavam dos órgãos, mas que naquele momento seria
sofrimento demais para a família ter o corpo do menino todo cortado. Fato que
poderia ter sido amenizado se eles soubessem anteriormente que não ocorre
qualquer deformidade no doador e que a retirada dos órgãos ou tecidos não
impede um velório habitual.
De acordo com o Programa Estadual de Transplante - PET do Governo do Estado do Rio de Janeiro a equipe
médica recompõe todo o corpo do doador. No transplante de córnea, o
profissional coloca um prótese redonda no globo ocular e usa uma cola para o
paciente permanecer com o mesmo aspecto. No de ossos, a equipe ortopédica
coloca uma prótese de PVC no local e refaz-se as juntas do quadril, joelhos,
ombro e cotovelo. No de pele a retirada é de uma fina camada do dorso das
costas e das coxas, sem alteração de aparência em quem faleceu.
Coma x Morte Cerebral
Outra questão bastante
recorrente é não entender a diferença de morte encefálica e do coma. Cabe ao
profissional de saúde do hospital onde o óbito acontecer, informar a família
que, no caso de morte cerebral, o quadro não é reversível como no coma. A
parada das funções cerebrais e do tronco cerebral é definitiva e em poucos
minutos provocará a falência de todo o organismo. No coma o paciente está
desacordado, mas vivo e mantendo os comandos das funções básicas para
manutenção da vida.
Para diferenciar um do outro
são realizados dois exames bem completos por dois médicos diferentes, sendo um
deles obrigatoriamente um neurologista. Existe um intervalo de tempo mínimo a
ser esperado entre um exame e outro, dependendo da idade do paciente. Por fim,
um exame complementar é feito para assegurar que as células cerebrais não
funcionam mais, dando certeza da morte.
É importante ressaltar que
nenhum dos médicos envolvidos nessas etapas de verificação do óbito pode fazer
parte da equipe de transplante.
Órgãos transplantados no Brasil
Quando a família de alguém
com morte encefálica opta pela doação ela beneficia diversos receptores. O
coração, os dois pulmões, o fígado, os dois rins, o pâncreas e o intestino são
órgãos que podem ser doados se estiverem em boas condições. Além dos tecidos
como córneas, ossos, pele e válvulas cardíacas. Quando a morte é por coração
parado apenas os tecidos podem ser doados.
Existe uma lista única
nacional que promete assegurar a seriedade e transparência do processo. Os
receptores são separados por órgãos, tipo sanguíneo e outras especificações
técnicas. Através dela os pacientes que necessitam de transplante esperam em
ordem cronológica de inscrição, sendo transplantados em função de gravidade ou
compatibilidade sanguínea e genética com o doador.
- A doação de órgãos é
fundamental para diminuir a fila de espera de transplantes. Estive na fila de
espera de transplante de rim por 9 anos e meio. Foi um tempo de dor e
sofrimento, mas graças ao meu doador hoje eu posso viver de verdade – relata a
dona de casa Márcia Mara Bergamo, de 35 anos.
Nos relatos de transplantados
e familiares é a gratidão por quem em um momento de dor, decidiu fazer o bem
que mais transparece.
- Meu irmão teve tuberculose nas glândulas que
mexeu com quase todos os seus órgãos. Seus dois rins pararam e por três anos
ele precisou fazer hemodiálise enquanto se curava de dois abcessos que ficaram
da tuberculose para então poder entrar na fila. No final de dezembro de 2016,
ele entrou e cinco meses depois conseguiu. Agradecemos demais a família que
doou – conta a gerente de loja Janete Hevea Rodrigues Pereira Soares, de 32
anos.
Atualmente a doação é anônima
e não é possível que a família do doador saiba quem recebeu os órgãos. A
proibição tem base ética para evitar novos casos de problemas sociais
relacionados a isso. Porém, nem sempre foi assim.
- Sou transplantada cardíaca
e não estaria viva se não tivesse recebido um coração. Sou grata a equipe
médica e a família do meu doador que há cinco anos tive o prazer de encontra-los
– declara a doceira Grasiela Bedin Farias Machado, de 35 anos.
Tabu religioso
Segundo o PET, o catolicismo,
espiritismo, judaísmo, talmud, islamismo, budismo, seicho-no-ie e anglicanismo são
favoráveis a doação de órgãos, pois consideram um ato de amor ao próximo e
valorização da vida humana. Os hindus, testemunhas de jeová, mórmons e
protestantes da Igreja Pentecostal deixam a decisão para o indivíduo, mas não
se opõe. Testemunhas de Jeová são contrários apenas a transfusão de sangue,
transplante de órgãos é também decidido pelo doador ou receptor.
A preocupação por crenças
não é apenas para quem decide doar, mas também por quem está na fila para ser
transplantado.
- Receber a notícia que eu
precisava de um transplante foi assustadora. Senti muito medo, mas não só da
cirurgia em si. Tive muitos questionamentos religiosos sobre o fato da minha
melhora vir da partida de alguém. A minha alegria vinha da dor e sofrimento dos
familiares do doador. Eu não me sentia bem com isso. A angústia me acompanhou
durante a fila de espera e quando o telefone tocou para dizer que eu seria
transplantada. Hoje eu sei que fiz a melhor escolha. Minha qualidade de vida
melhorou, mesmo eu ainda precisando de outro doador. Estou na fila de espera
por uma segunda córnea, já que a cirurgia é feita em um olho de cada vez. Sou
eternamente grata a essa pessoa que eu carrego um pedacinho e a essa família
que autorizou. Eles me deram a chance de ver o quão as cores da vida são vivas –
desabafa a fisioterapeuta Amanda Macedo Barbosa, de 27 anos.
Mercado Negro
- Sou favorável a doação e
concordo que a família seja sempre consultada. Temo que pessoas inescrupulosas
matem por dinheiro – expõe a professora, Rita Garcia Pereira, de 65 anos.
A imprensa brasileira
comunica pouco sobre investigações de tráfico de órgãos para evitar uma contra
campanha de doação de órgãos. A Declaração feita em Istambul em 2008 repudia a
transformação do corpo humano em coisa. O objetivo é impedir que os órgãos
humanos sejam vendidos em prateleiras no comércio internacional.
Em 2013 a Organização Mundial da Saúde – OMS divulgou um relatório dizendo que anualmente, no mundo,
são realizados cerca de 22 mil transplantes de fígado, 66 mil transplante de
rim e 6 mil transplantes de coração. Aproximadamente 5% dos órgãos utilizados
nessas cirurgias são do mercado negro, com um volume de negócio estimado em 600
milhões e 1,2 bilhão de dólares.
O comércio não se dá apenas
com órgãos de pessoas falecidas. Pessoas pobres acabam vendendo por um pouco de
dinheiro órgãos não vitais, mas comprometem gravemente sua saúde. No Brasil a
lei dos transplantes 9434/97 proíbe a comercialização de órgãos humanos e prevê
pena de três a oito anos de prisão a todos os envolvidos.
Ser doador
É possível ser doador ainda
em vida. O Ministério da Saúde diz que é possível doar órgãos como rins,
fígado, medula óssea e até o pulmão. Com exceção da medula óssea, os demais só
podem ser realizados em parentes de até quarto grau ou com autorização
judicial.
- Seja doação entre vivos ou
após a morte é gratificante saber que com um gesto gratuito de amor podemos
salvar a vida de alguém. Minha mãe fez hemodiálise por 6 anos. Em janeiro de
2016 mudamos de médico e descobrimos que eu era compatível para doar um rim
para ela. No início da doença eu havia feito o teste, mas por algum erro, deu incompatibilidade.
Após fazermos vários exames, em 16 de setembro de 2016 doei um rim para minha
mãe – relata a Servidora Pública Federal, Ana Carla Geminiano Gonçalves, de 35
anos.
Para a doação de medula óssea
existe o Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea que é feito
em todos os hemocentros do país. Ao encontrar um receptor compatível o doador é
informado e o transplante é realizado.
A Associação Brasileira deTransplante de Órgãos – ABTO orienta que se conversa na família sobre a vontade
de ser doador de órgãos em caso de morte cerebral. Pois, segundo o PortalBrasil do Governo Federal, nenhum documento por escrito sobrepõe a vontade dos
familiares. Deixar claro a vontade de ser um doador ajuda a diminuir o peso dos
parentes de tomar essa decisão.
- Eu acho a doação de órgãos
um gesto muito importante, mas não sei como lidar. Só aceitaria doar o de um
familiar, se a pessoa manifestasse o desejo em vida – diz a estudante Adrícia
Marques Chiarini, de 25 anos.
Nenhum comentário:
Postar um comentário