domingo, 1 de outubro de 2017

Quase metade das famílias brasileiras não doa órgãos de parentes



Por Mariana Valadão - 6º período | Campus Madureira

No início de setembro, Renan dos Santos Macedo, de 8 anos, foi baleado. Ele estava no carro com o pai Nilton Siqueira de Macedo quando tentaram fugir de um arrastão em Duque de Caxias. Depois de alguns dias a criança veio a óbito e seus pais entraram para mais uma estatística. A dos 47% de familiares que se recusam a doar órgãos depois de comprovada morte cerebral. No Brasil, a Lei nº10.211, publicada em março de 2001, determina que é a família que autoriza a doação de órgãos e tecido para transplante. 

O assunto é extenso e pouco falado. A população tem muitas dúvidas e medos. Na hora da dor intensa é difícil processar tudo que está acontecendo e ainda tomar uma decisão. 

- A doação é muito importante. Deveria haver mais campanhas – afirma a Servidora Estadual, Daniela dos Anjos Magalhães, 42 anos.

Os pais de Renan afirmaram saber que muitas pessoas precisavam dos órgãos, mas que naquele momento seria sofrimento demais para a família ter o corpo do menino todo cortado. Fato que poderia ter sido amenizado se eles soubessem anteriormente que não ocorre qualquer deformidade no doador e que a retirada dos órgãos ou tecidos não impede um velório habitual.

De acordo com o Programa Estadual de Transplante - PET do Governo do Estado do Rio de Janeiro a equipe médica recompõe todo o corpo do doador. No transplante de córnea, o profissional coloca um prótese redonda no globo ocular e usa uma cola para o paciente permanecer com o mesmo aspecto. No de ossos, a equipe ortopédica coloca uma prótese de PVC no local e refaz-se as juntas do quadril, joelhos, ombro e cotovelo. No de pele a retirada é de uma fina camada do dorso das costas e das coxas, sem alteração de aparência em quem faleceu.

Coma x Morte Cerebral

 

Outra questão bastante recorrente é não entender a diferença de morte encefálica e do coma. Cabe ao profissional de saúde do hospital onde o óbito acontecer, informar a família que, no caso de morte cerebral, o quadro não é reversível como no coma. A parada das funções cerebrais e do tronco cerebral é definitiva e em poucos minutos provocará a falência de todo o organismo. No coma o paciente está desacordado, mas vivo e mantendo os comandos das funções básicas para manutenção da vida.

Para diferenciar um do outro são realizados dois exames bem completos por dois médicos diferentes, sendo um deles obrigatoriamente um neurologista. Existe um intervalo de tempo mínimo a ser esperado entre um exame e outro, dependendo da idade do paciente. Por fim, um exame complementar é feito para assegurar que as células cerebrais não funcionam mais, dando certeza da morte. 

É importante ressaltar que nenhum dos médicos envolvidos nessas etapas de verificação do óbito pode fazer parte da equipe de transplante. 

Órgãos transplantados no Brasil

 

Quando a família de alguém com morte encefálica opta pela doação ela beneficia diversos receptores. O coração, os dois pulmões, o fígado, os dois rins, o pâncreas e o intestino são órgãos que podem ser doados se estiverem em boas condições. Além dos tecidos como córneas, ossos, pele e válvulas cardíacas. Quando a morte é por coração parado apenas os tecidos podem ser doados.

Existe uma lista única nacional que promete assegurar a seriedade e transparência do processo. Os receptores são separados por órgãos, tipo sanguíneo e outras especificações técnicas. Através dela os pacientes que necessitam de transplante esperam em ordem cronológica de inscrição, sendo transplantados em função de gravidade ou compatibilidade sanguínea e genética com o doador. 

- A doação de órgãos é fundamental para diminuir a fila de espera de transplantes. Estive na fila de espera de transplante de rim por 9 anos e meio. Foi um tempo de dor e sofrimento, mas graças ao meu doador hoje eu posso viver de verdade – relata a dona de casa Márcia Mara Bergamo, de 35 anos.

Nos relatos de transplantados e familiares é a gratidão por quem em um momento de dor, decidiu fazer o bem que mais transparece.

 - Meu irmão teve tuberculose nas glândulas que mexeu com quase todos os seus órgãos. Seus dois rins pararam e por três anos ele precisou fazer hemodiálise enquanto se curava de dois abcessos que ficaram da tuberculose para então poder entrar na fila. No final de dezembro de 2016, ele entrou e cinco meses depois conseguiu. Agradecemos demais a família que doou – conta a gerente de loja Janete Hevea Rodrigues Pereira Soares, de 32 anos.

Atualmente a doação é anônima e não é possível que a família do doador saiba quem recebeu os órgãos. A proibição tem base ética para evitar novos casos de problemas sociais relacionados a isso. Porém, nem sempre foi assim.

- Sou transplantada cardíaca e não estaria viva se não tivesse recebido um coração. Sou grata a equipe médica e a família do meu doador que há cinco anos tive o prazer de encontra-los – declara a doceira Grasiela Bedin Farias Machado, de 35 anos.

Tabu religioso

 

Segundo o PET, o catolicismo, espiritismo, judaísmo, talmud, islamismo, budismo, seicho-no-ie e anglicanismo são favoráveis a doação de órgãos, pois consideram um ato de amor ao próximo e valorização da vida humana. Os hindus, testemunhas de jeová, mórmons e protestantes da Igreja Pentecostal deixam a decisão para o indivíduo, mas não se opõe. Testemunhas de Jeová são contrários apenas a transfusão de sangue, transplante de órgãos é também decidido pelo doador ou receptor. 

A preocupação por crenças não é apenas para quem decide doar, mas também por quem está na fila para ser transplantado.

- Receber a notícia que eu precisava de um transplante foi assustadora. Senti muito medo, mas não só da cirurgia em si. Tive muitos questionamentos religiosos sobre o fato da minha melhora vir da partida de alguém. A minha alegria vinha da dor e sofrimento dos familiares do doador. Eu não me sentia bem com isso. A angústia me acompanhou durante a fila de espera e quando o telefone tocou para dizer que eu seria transplantada. Hoje eu sei que fiz a melhor escolha. Minha qualidade de vida melhorou, mesmo eu ainda precisando de outro doador. Estou na fila de espera por uma segunda córnea, já que a cirurgia é feita em um olho de cada vez. Sou eternamente grata a essa pessoa que eu carrego um pedacinho e a essa família que autorizou. Eles me deram a chance de ver o quão as cores da vida são vivas – desabafa a fisioterapeuta Amanda Macedo Barbosa, de 27 anos.

Mercado Negro 

 

- Sou favorável a doação e concordo que a família seja sempre consultada. Temo que pessoas inescrupulosas matem por dinheiro – expõe a professora, Rita Garcia Pereira, de 65 anos.

A imprensa brasileira comunica pouco sobre investigações de tráfico de órgãos para evitar uma contra campanha de doação de órgãos. A Declaração feita em Istambul em 2008 repudia a transformação do corpo humano em coisa. O objetivo é impedir que os órgãos humanos sejam vendidos em prateleiras no comércio internacional. 

Em 2013 a Organização Mundial da Saúde – OMS divulgou um relatório dizendo que anualmente, no mundo, são realizados cerca de 22 mil transplantes de fígado, 66 mil transplante de rim e 6 mil transplantes de coração. Aproximadamente 5% dos órgãos utilizados nessas cirurgias são do mercado negro, com um volume de negócio estimado em 600 milhões e 1,2 bilhão de dólares.

O comércio não se dá apenas com órgãos de pessoas falecidas. Pessoas pobres acabam vendendo por um pouco de dinheiro órgãos não vitais, mas comprometem gravemente sua saúde. No Brasil a lei dos transplantes 9434/97 proíbe a comercialização de órgãos humanos e prevê pena de três a oito anos de prisão a todos os envolvidos.

Ser doador

 

É possível ser doador ainda em vida. O Ministério da Saúde diz que é possível doar órgãos como rins, fígado, medula óssea e até o pulmão. Com exceção da medula óssea, os demais só podem ser realizados em parentes de até quarto grau ou com autorização judicial.

- Seja doação entre vivos ou após a morte é gratificante saber que com um gesto gratuito de amor podemos salvar a vida de alguém. Minha mãe fez hemodiálise por 6 anos. Em janeiro de 2016 mudamos de médico e descobrimos que eu era compatível para doar um rim para ela. No início da doença eu havia feito o teste, mas por algum erro, deu incompatibilidade. Após fazermos vários exames, em 16 de setembro de 2016 doei um rim para minha mãe – relata a Servidora Pública Federal, Ana Carla Geminiano Gonçalves, de 35 anos.

Para a doação de medula óssea existe o Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea que é feito em todos os hemocentros do país. Ao encontrar um receptor compatível o doador é informado e o transplante é realizado.

A Associação Brasileira deTransplante de Órgãos – ABTO orienta que se conversa na família sobre a vontade de ser doador de órgãos em caso de morte cerebral. Pois, segundo o PortalBrasil do Governo Federal, nenhum documento por escrito sobrepõe a vontade dos familiares. Deixar claro a vontade de ser um doador ajuda a diminuir o peso dos parentes de tomar essa decisão.


- Eu acho a doação de órgãos um gesto muito importante, mas não sei como lidar. Só aceitaria doar o de um familiar, se a pessoa manifestasse o desejo em vida – diz a estudante Adrícia Marques Chiarini, de 25 anos.

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